O Soberano Santuário Hermético da Lusitânia é o Círculo Interior e supra-ordenador de uma organização maçónica, o Grande Oriente Hermético-Egípcio da Lusitânia do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim presente em Portugal, seguindo uma praxis de Via Mista, em que se realça a função e vocação iniciática stricto sensu e não no sentido retórico e formal com que tem sido tomada tantas vezes enquanto matéria meramente adjectivante de adorno simbólico, como é prática nas Maçonarias Profanas e de Ornamento.

A expressão Grande Oriente tem para nós um sentido esotérico. Ela refere-se a um Oriente não geográfico e supra-pessoal, que nas tradições iniciáticas corresponde ao lugar do Nôus, o Coração do Iniciado, de onde se levanta a Estrela da Manhã, que na cosmogonia egípcia se refere a Hórus. Na história esotérica ocidental desde 1904 que Hórus assumiu um novo papel de avatar iniciático, alterando radicalmente as fórmulas de Iniciação do Velho Aeon. Ele serve para todos os Neófitos, Iniciados e Adeptos,  de modelo heróico para os processos de transformação e deificação  na Era do Aquário em que vivemos. Trata-se, também, de uma expressão usada em lembrança do Grand Orient du Rite  Ancien et Primitif de la Maçonnerie criado por Papus em 1908, em Paris, e que se tornou a pedra basilar do Rito de Memphis-Misraim e da Linhagem de que somos herdeiros.

Como Tradição Iniciática, o Processo Iniciático é tomado entre nós no sentido substantivo de um processo operativo de carácter Hermético e Teúrgico, capaz de gerar a necessária sinergia de auto-transmutação no Iniciado para se vir a tornar um dia mais do que humano, num desiderato de auto-deificação e sobre-humanização. A palavra Tradição não tem em estruturas iniciáticas stricto sensu o significado comum de uma transmissão jurídica ou de um facto sociológico de preservação doutrinal ou simbólica, sem ruptura nem descontinuidade, como é habitualmente tomado pelas maçonarias liberais e profanas. Tradição, no seu sentido esotérico, é a transmissão de uma Influência Espiritual capaz de acçionar o Despertar do “Germe Divino ou Pneumático” dentro do Iniciado.

Um Viver Transmutatório

Rejeitamos todas as definições redutoras a que se tem rebaixado a Maçonaria, tanto a uma maneira de viver guiada por meros princípios morais, típicos da doutrina luterana, ou em função de desideratos humanistas oriundos da moderna educação cívica e dos partidos políticos. Ambos estes desideratos, por muito estimáveis e respeitáveis que sejam sob o ponto de vista social, são, porém, totalmente inócuos e supérfluos sob o ponto de vista ontológico e iniciático. A sua reivindicação em estruturas maçónicas é o sintoma de uma decadência e alienação anti-iniciática no social, no mundo dos hílicos. Não são mais do que um pretexto para abdicar de matar o ego e condescender, muitas vezes de forma inconsciente, na procrastinação constante da Iluminação Gnósica.

O Processo Iniciático é um trabalho heróico de transmutação alquímica do composto consciência-corpo, o egosoma, naquele ser-humano que tenha as qualificações para ser mais do que humano. Ser bom cidadão não é per si uma qualificação iniciática. O Iniciado é um misto de Sonhador e Herói que transgride sempre as normas e barreiras ideológicas da medíocre decência burguesa. As nossas observâncias rituais, meditativas e iniciáticas, são reconhecidas apenas e somente em função de serem um veículo teúrgico e alquímico para a eclosão da consciência supra-humana e supra-individual.

A Via Iniciática só é valorizada por nós pela sua eficácia anagógica objectiva e a virtus do seu efeito transmutatório. É o seu poder transmutatório, enquanto dispositivo iniciático, que nos motiva a defender e promover esta Tradição e Linhagem e a colocá-la ao serviço de pessoas que trazem a inquietação do vazio dos tempos hodiernos e têm a vocação e qualificação para fazer o Trabalho de Húbris Iniciática ao modelo dos antigos Heróis, isto é, de revulsão dos valores conformistas e de transcendência da consciência do pequeno-homem proletário e burguês da sociedade neo-liberal de hoje.

A Franco-Maçonaria do Séc. XXI

O R∴A∴P∴M∴M∴ viveu ao longo da sua história várias visões e alterações profundas, provando uma lucidez invulgar que não existe no resto das maçonarias, ao basear-se no homem novo que veio a eclodir nas sociedades modernas industriais e libertando-o da referência ao homem devoto e cristão do passado, preso a uma visão unidimensional e sentimental do sagrado. Entre essas revisões do Memphis-Misraim, as mais importantes foram as do século XX feitas por Rudolf Steiner durante o curto período entre 1904 e 1914 e as revisões de Michael Bertiaux, nos anos sessenta e setenta em Chicago.

Rudolf Steiner foi a pessoa mais consciente ao atestar que a Maçonaria havia solidificado em formas externalizadas, isto é, formas  ritualísticas vazias, presas ao ornamento retórico e litúrgico. Para ele era necessário fazer uma obra de refundição do Memphis-Misraim. Contrariamente, Michael Bertiaux resolveu transformar os rituais de Iniciação em processos de Ordenação Episcopal centrados no despertar dos chamados points-chaud, centros de poder ocultos no corpo subtil do ser humano associados a cada um dos graus iniciáticos do Memphis-Misraim, de forma a restaurar o Adão Kadmon do futuro. O seu sistema maçónico é um processo de Iniciação e Consagração em que os graus são parte daquilo que Bertiaux chamava um Mandalum Instrumentum.

O século XXI será aquele que conhecerá uma revitalização do Memphis-Misraim numa perspectiva nova, própria da Ciência Espiritual, e abandonará as fístulas da crença judaico-cristã que sepultam a Maçonaria Profana de hoje numa estrutura corporativa dada ao exercício lúdico e recreativo-intelectual.  É necessário despertar do sono letárgico o egrégore mágico-iniciático da Franco-Maçonaria na perspectiva de um Processo Iniciático efectivo.

Trata-se de sepultar o processo de simulacros teatrais e libertar-se quer da mumificação cristã sob a capa do verniz egípcio como de expurgar todos os elementos cívicos e políticos que são dever exclusivo das organizações cívicas, das escolas e do Estado. A tradição maçónica não é um infantário de valores cívicos e sociais nem uma catequese para ensinar valores morais, mas uma mandala de forças e impulsos iniciáticos para homens livres das crenças e dos condicionamentos sociais que alienam o ser humano de sua verdadeira natureza individual eterna, susceptíveis de desencadear o Despertar.

Foram as agendas políticas da Maçonaria e o peso dos seus elementos judaico-cristãos que a extirparam de toda relevância iniciática, reduzindo-a a uma organização clubística sem qualquer elevação espiritual e em permanente procrastinação do Despertar. É o abandono vegetativo e acéfalo ao sistema ocluso de confraria religiosa, reduzindo-a a um agregado de moralismos humanitários e de valores sociais sem qualquer relevância esotérica e iniciática que fossilizou a Maçonaria. A finalidade do Trabalho Iniciático é superar a humanidade actual, não é melhorar a eficiência de sua alienação.

Um Visão Tripla

Mantemos na nossa estrutura uma visão tripartida do ser humano e da humanidade, tal como os antigos gnósticos faziam a sua seriação em hílicos, psíquicos e pneumáticos. Consideramos que a tripla estrutura do Memphis-Misraim foi criada com a secreta intenção de ajustar esses três níveis da humanidade ao processo espiritual que apresentava. O primeiro é o trabalho da “pedra” e é sem dúvida para os hílicos que tenham qualificações ou inclinações, mesmo que vagas e imprecisas, para serem mais do que humanos e que lhes permita saturar a vida de um sentido que esteja para além do funcional e racional do mundo presente. Os graus filosóficos devem ser abertos aos que já são psíquicos, quer porque trazem essa inclinação inata quer por aquisição do seu próprio esforço de superação no trabalho das Lojas Simbólicas, e a seriação chamada de hermetista corresponde a pessoas, poucas, que tenham disposições pneumáticas.

Para integrar a nossa estrutura só estarão aptos aqueles e aquelas que conservam as qualificações e inquietações que os gnósticos consideravam ser atributo exclusivo dos homens de Espírito Livre, no sentido em que o tomavam no fim da Idade Média os Irmãos do Livre Espírito.

© Gilberto Lascariz & S∴S∴H∴L∴

(Revisão de Melusine de Mattos)

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