SOL-SATURNO, O MISTÉRIO DE KNUPHIS

Não é Cristo mas a Serpente Sapiencial que é o verdadeiro Guardião do Ocidente
Gilberto de Lascariz

O Soberano Santuário Hermético da Lusitânia ergue-se com Hórus, agora substituto de Osíris, neste dia de Solstício de Inverno de 2017, essa “Divina Noite” que no Egipto Antigo era celebrada no 26º mês de Khoiak.  É no Solstício de Inverno que a constelação do Cão (Canis Major) se ergue na escuridão do primeiro Crepúsculo do Inverno, no céu nocturno oriental, trazendo a estrela Sírius. Ela é chamada a Alma de Ísis. Esta estrela é para nós muito importante pois ela representa também “o Sol por detrás do sol” enquanto estrela de Set, o Abridor do Ano e o Guardião Oculto do Novo Aeon Saturnal. Neste dia 21 de Dezembro em que o Sol está conjunto com Set-Saturno por breves momentos no Nadir solsticial capricorniano, o S∴S∴H∴L∴ ergue-se agora acompanhado pelo Leão-Serpente ao Oriente. A Ocidente, o Anjo do Aquário prepara-se para a Grande Hierogamia Cósmica com o Iniciado.

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A Alma Lusitana

O Soberano Santuário Hermético da Lusitânia preferiu ter como sua referência tópica, não a localização político-geográfica de Portugal, mas a sua contraparte surreal e espiritual a que chamamos Lusitânia. Sendo a zona territorial mais extrema do Ocidente, um verdadeiro Duath, poderia dizer-se, seguindo o Pensamento Mítico, que este é o locus onde os Ancestrais ainda permanecem acordados como guardiões da nossa ocidentalidade pré-cristã.

A Alma Lusitana não é, para nós, um conceito serôdio brotado dos escombros do pensamento judaico-cristão de alguns piedosos e nebulosos metafísicos, nem um ornato literário, burilado pela fantasia rebuscada dos etnólogos e literatos novecentistas. Ela é um Todo Espiritual, um Caos Tifónico. É o Lapsit Exillis que alberga as origens nebulosas e tenebrosas da Alma mais ocidental da Europa, fronteira com os mares e os monstros ofídicos, onde Saturno era o seu Rei em Exílio, até ao simbolismo místico e herético de fundo gnóstico-cristão e priscilianista, que se esconde nalguns Templos, sob a forma de cifras e glosas mistéricas, muito em particular nas ermidas de S. Cristóvão de Rio-Mau e S. Pedro de Rates, numa área sacra da antiga Galaecia, a terra dos Galos Luciféricos, isto é, Portadores da Luz.

Trata-se de glorificar as Forças Ancestrais que antecedem a nossa própria Nacionalidade, mas onde existiam já em gérmen os Impulsos Ofídicos da Alma Portuguesa que Fernando Pessoa julgava ser a essência de um determinado Portugal: o secreto, o visionário e o iniciático. Esse elo atávico à Serpente está presente noutros elos, esses iniciáticos, entre o Memphis-Misraim e a Via Hermética da Serpente Vermelha que nos seus Altos Graus está representada no Ovo da Serpente dos nossos aventais.

Ser Lusitano é ser mais do que português! É viver na Corrente do Tempo Saturnal, esse tempo em que Pã foi na Hispânia o Guardião e que Teixeira de Pascoaes elegeu como o aspecto pagão de Cristo, palavra tomada não na sua acepção católica, mas na sua significação gnóstico-iniciática como Khrestos, o Ungido e Iluminado, Aquele que atravessou todos os ordálios da Iniciação Real e ressuscitou como Divindade-Ipseidade. Por detrás de Pã, celebrado nas colheitas, oculta-se o Mistério Joanita cuja cifra foi revelada por Leonardo da Vinci no seu Eidolon-Imagem. Trata-se de existir no Tempo que celebra perpetuamente em cada Agora a união com as Origens, celebrando as ininterruptas núpcias com os Númens Portadores da Luz, que trazem o impulso da Compreensão Noética.

Lusitânia recorre de uma ligação consciente a uma outra Luz. Não a luz visível do Sol, nem tão pouco a Luz do Cristo Eclesial, mas a Luz que os povos nórdicos chamavam de Odin, invocado no nosso 34º grau (Grau do Cavaleiro da Escandinávia) ou esse Sol Secreto denominado Mitra do nosso 64º grau (Grau do Sábio de Mitra)  do R∴A∴P∴ de Memphis-Misraim. O lugar dessa Luz é o equivalente da Terra Negra, desse Cristo Negro pessoano celebrado no seu “Fausto”, que se convoca no mito egípcio do Memphis-Misraim e na Alquimia com a sua máxima VITRIOL, mas que se invoca também nos Rituais de Loja que abrem os nossos Trabalhos Herméticos, realizados no ciclo descendente do Sol que vai do simbólico Meio Dia até à Meia Noite. Trabalha-se descendo ao fundo da Meia-Noite, como os Iniciados dos Mistérios Egípcios de que fala Plutarco (46/119 E. C.), onde está a Luz Primordial, a fonte primordial da Tradição e da Criação.

A Meia-Noite Vertical

É nesta Meia-Noite vertical, ctónica e polar que se pode ver, como diz o filósofo romano Lúcio Apuleio (c. 127-170), o Sol da Meia-Noite, o Sol Negro do Polo Estelar à volta do qual serpenteia o Dragão, o mesmo que ainda hoje vemos na porta setentrional da ermida medieval de São Cristóvão do Rio Mau, igreja de construção hermética e maldita, de onde está ausente Cristo. Em seu lugar ergue-se o Bispo, o que vê ao longe, símbolo do Iniciado no cume polar da sua Iluminação, aquele que no frontão ocidental aparece coroado pelo Espírito Santo e rodeado, como as nossas Lojas, do Sol e da Lua, mas que se ergue depois no cume Oriental vendo o sol ascendente matinal de frente ou, quem sabe, a Estrela da Manhã.

Esta é a face visível do ”eidolon”, imagem-espírito, do Soberano Santuário Hermético da Lusitânia, do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, no mundo opaco desta existência de esquecimento. Uma ordem iniciática é sempre, sem concessões de nenhuma espécie, esotérica. Ela só se pode manifestar no mundo hílico através de sua sombra, o seu eidolon.

No Eixo Axial do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim existem vários apêndices institucionais de outras Linhagens de carácter iniciático, como Ramos de uma Árvore Grandiosa (Otz Chiim) que complementam, cooperam e ampliam a Via Maçónica central, numa tradição de complementaridade de Observâncias, tanto de “mão direita” como de “mão esquerda”. A primeira adveio das reformas menfítico-misraímicas de Jean Bricaud e Robert Ambelain, na Grande Loja de França do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim, onde se introduziu pela primeira vez uma Igreja Gnóstica e uma Heptade Martinista de raiz papusiana, depois uma estrutura dos Elus Cohen e dos Rosa-Cruz do Oriente, enquanto a segunda advém da Reforma Episcopal de Michael Bertiaux através de Jean Maine, feita no R∴A∴P∴M∴M∴, transformando-o num verdadeiro Mandalum Instrumentum (Instrumento Mandálico) e cada seu Iniciado num Sacerdote.

A Via da Serpente

O Soberano Santuário Hermético da Lusitânia tem como Paradigma Iniciático a Via da Serpente referida pelo poeta Fernando Pessoa, no seu “O Caminho da Serpente”, onde opõe às vias do mundo, em que “todos os caminhos no mundo e na lei são rectilíneos”, como vemos expresso nas estruturas ritualistas rectilíneas das Maçonarias Profanas, as Vias do Espírito em que o seu caminhar é “o caminho da Serpente” enquanto “evasão dos caminhos”, um caminho serpentino que passa por entre polaridades opostas de forma a viver a dupla-natureza hermafroditíca de luz e treva do Iniciado. Essa Serpente é um símbolo central de nossa Tradição através do símbolo do Kneph rodeando como a Kundalini o Ovo da Criação.

Este é o Caminho de Sol-Saturno, verdadeiro Heru-Set convocado em Heliópolis, o Sol-Serpente dos Gnósticos. Esse é o Caminho em Deambulatório ao longo dos Altos-Graus, verdadeiro Mandalum Sapientialis, que Robert Ambelain propusera nos anos sessenta na sua reforma menfítico-misraímica em França e, pouco depois, Michael Bertiaux sob a ideia dos graus do M∴M∴ como um sistema mandálico de consagrações gnósticas. Este é o nosso Caminho por entre as duas colunas laterais de Otz Chiim, a Árvore da Vida, enrolando-nos e desenrolando-nos como a Serpente Mercurial e tendo como centro o Pilar Central onde a Fénix, o Benu, morre e se renova na cidade de On, metáfora desse centro eterno e transpessoal de cada Iniciado.

© Gilberto Lascariz & S∴S∴H∴L∴

(Revisão de Melusine de Mattos)

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